SUTRA E SEU SIGNIFICADO NO BUDISMO



 
SUTRA E SEU SIGNIFICADO NO BUDISMO

Sutra (सूत्र em sânscrito) é um substantivo derivado do verbo √siv, que significa costurar.
No budismo, o termo "sutra" se refere de forma geral às escrituras canônicas que são tratadas como registros dos ensinamentos orais de Buda Gautama. Esses ensinamentos estão registrados na segunda parte ("cesto") do Tripitaka e são chamados de Sutra Pitaka (em Pali, "Tipitaka" e "Sutta Pitaka"). Outros textos também são considerados Sutras, principalmente pelas escolas Mahayana, embora não façam parte do Tripitaka e de forma geral sejam atribuídos a outros autores em períodos posteriores.
Em páli, a palavra equivalente é sutta, e é usada exclusivamente para escrituras budistas, principalmente as do Cânone Pali.
 

Sutras por escola budista

A maioria (ou todas) as escolas budistas se guiam não apenas pelas escrituras, mas também por escritos e ensinamentos orais de seus próprios patriarcas e iniciadores, podendo ser considerados como parte de seus próprios cânones. Ainda assim, os Sutras desempenham um papel importante em todas as escolas budistas, a despeito de algumas lendas e exageros.
Na escola Theravada, os únicos textos canônicos são os do Tripitaka, que eles chamam pelo nome Pali Tipitaka. Um dos três componentes do Tipitaka é o Sutta Pitaka, que contém os Sutras do Cânone Pali.
Na escola Tendai e no Budismo de Nitiren, o Sutra do Lótus é enfatizado como ensino a partir de um ponto absoluto enquanto os outros são considerados ensinos de acordo com a capacidade do ouvinte.
 
Sutra do Coração
 
O Sutra da Perfeição da Sabedoria ou Sutra do Coração (em sânscrito: Prajñā Pāramitā Hridaya Sūtra, chinês: 般若波羅蜜多心經) é um conhecido sutra budista mahāyāna. Notável por sua brevidade, concisão e claridade, o Sutra do Coração tem esse nome por ser considerado representativo dos ensinamentos básicos dos Sutras da Perfeição da Sabedoria, que são muito mais longos. Não é difícil ter o texto completo do sutra em uma única página.
Zen em particular enfatiza bastante o estudo do Sutra do Coração. Sua versão chinesa é recitada com frequência (na pronúncia local) em cerimônias na ChinaJapão e Coreia.
Alguns acadêmicos acreditam que o Sutra do Coração foi composto originalmente na China e posteriormente traduzido para o sânscrito. Essa não é uma opinião predominante, ainda que a versão chinesa seja de fato muito mais influente do que a versão em sânscrito.
 
Neste Sutra, o bodhisattva da compaixão Avalokiteśvarasânscrito "Aquele que olha para baixo" (em socorro dos seres em sofrimento) descreve a vacuidade (Shunyata) a Shariputra por meio de uma metáfora para a originação dependente e as Duas verdades: (a conhecida afirmação de que) "forma é vacuidade, vacuidade é forma".
Declara que também os skandhas, isto é, os cinco agregados da existência humana, são, eles próprios, vazios. "Dessa forma, Avalokiteśvara afirma que o transcendente é encontrado apenas em sua manifestação no imanente, e em nenhum outro lugar".1
O Sutra do Coração é encerrado com um mantra ou dharani, que induz o recitador à compreensão da verdade:
SânscritoPronúncia 2Tradução livre
Gate gate['gəteː 'gəteː]Foi, foi
Pāragate['paːrəgəteː]Foi além (para a outra margem)
Pārasaṁgate[paːrə'sə̃ŋgəteː]Foi completamente para a outra margem
Bodhi svāhā['boːd̪ʱɪ 'sʋaːhaː]Iluminação, quão maravilhosa!

Notas e referências

  1. Ir para cima Keown, Damien. Oxford Dictionary of Buddhism. Nova Iorque, Oxford University Press, 2003, p.106.
  2. Ir para cima Phonology of Sanskrit. https://en.wikipedia.org/wiki/Sanskrit#Phonology

Bibliografia

 





Sutra do Diamante
 
O Sutra do Diamante (em sânscrito Vajracchedika-prajñāpāramitā-sūtra) é um dos mais importantes sutras maaianas, particularmente para a tradição Zen.
Na Biblioteca Britânica, há uma cópia do Sutra do Diamante de 868 d.C. Embora seja um pergaminho, esse é o livro impresso em xilogravura mais antigo que se conhece e foi encontrada em 1907 pelo arqueólogo Marc Aurel Stein em uma caverna fechada em Dunhuang, no nordeste da China. Essa caverna é conhecida como a "Caverna dos mil Budas". Esse livro foi impresso 587 anos antes da Bíblia de Gutenberg.
 
 

Sutra do Diamante


 

Prajñaparamita Vajracchedika Sutra


 
O Sutra do Diamante Lapidador da Sabedoria Transcendental
For free distribution only, as a gift of Dhamma
Translated by A.F.Price and Wong Mou-Lam
Tradução ao Português por Claudio Miklos.
As frases entre colchetes são de autoria de Claudio Miklos, visando quando possível esclarecer passagens mais obscuras do texto.


 

Seção I. A Convocação da Assembléia


 
Assim eu ouvi:
Certa época residia Buddha no Parque de Anathapindika em Shravasti com uma grande comunidade de bhikshus, cerca de mil duzentos e cinqüenta.
Um dia, na ocasião do desjejum, o Honrado-Pelo-Mundo colocou Seu manto, e levando Sua tigela tomou seu caminho para a grande cidade de Shravasti, para pedir Seu sustento. No meio da cidade Ele foi de porta em porta, de acordo com a regra. Isto feito, volveu ao Seu retiro levando Seu alimento. Quando terminou de alimentar-se, guardou Seu manto e tigela mendicante, lavou os pés, tomou Seu assento, e acomodou-se.

Seção II. Subhuti Faz um Pedido


Entretanto, no meio da assembléia estava o Venerável Subhuti. Logo ele ergueu-se, descobriu o ombro direito, ajoelhou-se sobre o joelho direito, e, elevando as mãos respeitosamente de palmas unidas, dirigiu-se desse modo a Buddha: "Honrado-Pelo-Mundo, se os bons homens e as boas mulheres buscam a Realização do Incomparável Esclarecimento, sob quais critérios deveriam eles agir e como deveriam eles corrigir os pensamentos?"
Buddha disse: "Muito bom, Subhuti! Conforme dizeis, o Tathagata está sempre atento para com todos os Bodhisattvas, protegendo-os e os instruindo bem. Agora escuteis e guardeis minhas palavras no coração: Eu irei declarar-vos por quais critérios os bons homens e as boas mulheres que buscam a Realização do Incomparável Esclarecimento devem agir, e como eles devem corrigir seus pensamentos."
Subhuti disse: "Rezai, façais [dessa forma], Honrado-Pelo-Mundo. Com alegria antecipada nós desejamos ouvir-Te."

Seção III. O Verdadeiro Ensinamento do Grande Caminho


Buddha disse: "Subhuti, todos os heróis Bodhisattvas deveriam disciplinar seus pensamentos do seguinte modo: 'Todas as criaturas vivas de qualquer espécie, nascidos de ovos, de úteros, de umidade, ou através de transformação, sejam com forma ou sem forma, sejam com [possuidores de] pensamentos ou isentos da necessidade de pensamentos, ou completamente além de todos os reinos de pensamento - todos estes são levados por Mim a atingir a Ilimitada Liberação do Nirvana. Todavia por mais vastos, incontáveis e imensuráveis sejam os números de seres que assim tenham sido liberados, em verdade nenhum ser foi liberado.' Por que assim é, Subhuti? É assim porque nenhum Bodhisattva que seja um real Bodhisattva aprecia a idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada."

Seção IV. Até mesmo as Práticas mais Benéficas são Relativas


"Além disso, Subhuti, na prática da caridade [dons] um Bodhisattva deveria ser desprendido. Isso significa que ele deveria praticar a caridade sem levar em conta aparências [a idéia de causa]; sem levar em conta som, odor, toque, sabor ou qualquer qualidade. Subhuti, assim deveria o Bodhisattva praticar a caridade sem apegos. Por quê motivo [deveria agir assim]? Pois assim agindo o seu mérito é incalculável.
"Subhuti, o que pensais? Vós podeis medir todo o espaço que se estende daqui para o leste?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, eu não posso."
"Vós podeis, Subhuti, medir todo o espaço para o sul, para o oeste, em direção ao norte, ou em qualquer outra direção, inclusive o nadir e o zênite?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, eu não posso."
"Bem, Subhuti, igualmente incalculável é o mérito do Bodhisattva que pratica a caridade sem quaisquer apegos à formas. Subhuti, Bodhisattvas deveriam perseverar sem desvios nesta instrução."

Seção V. Entendendo o Último Princípio da Realidade


"Subhuti, o que pensais? Deve o Tathagata ser reconhecido por alguma característica material?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo; o Tathagata não pode ser reconhecido por qualquer característica material. Por que motivo? Porque o Tathagata disse que características materiais não são, de fato, características materiais."
Buddha disse: "Subhuti, quaisquer que sejam as características materiais, há nelas ilusão; mas aquele que percebe que todas as características não são de fato características, percebe o Tathagata."

Seção VI. Rara é a Compreensão da Verdade


Subhuti disse a Buddha: "Honrado-Pelo-Mundo, sempre haverão homens que verdadeiramente compreenderão estes ensinamentos ao buscar ouvi-los?"
Buddha respondeu: "Subhuti, não deveis falar dessa forma! Ao término do último período de quinhentos anos seguintes ao passamento do Tathagata 
(1), [com certeza] haverão homens auto-equilibrados, bem fundados em méritos que, ao buscar ouvir estes ensinamentos, serão inspirados com convicção. Mas vós deveis perceber que tais homens não fortalecerão seus méritos sob [os auspícios de] apenas um Buddha, ou dois Buddhas, ou três, ou quatro, ou cinco Buddhas, mas sob [os auspícios de] Buddhas incontáveis; e seus méritos serão de toda a espécie. Tais homens, buscando ouvir estes ensinamentos, experimentarão [em si] um imediato surto de pura compreensão, Subhuti; e o Tathagata os reconhecerá. Sim, Ele perceberá claramente estes de puro coração, e a magnitude das suas excelências morais. E por que assim será? Porque tais homens não sucumbirão ao erro de considerar a idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada. Eles tampouco sucumbirão ao erro de considerar a idéia das coisas como tendo qualidades intrínsecas, nem mesmo de coisas como destituídas de qualidades intrínsecas.
"E por que assim será? Porque se tais homens se permitissem ter suas mentes presas e apegadas a qualquer coisa, eles estariam considerando a idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada; e se eles se vissem presos e apegados à noção das coisas como tendo qualidades intrínsecas, eles [certamente] estariam considerando idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada. Igualmente, se eles se vissem presos e apegados à noção de coisas como destituídas de qualidades intrínsecas eles estariam [da mesma forma] considerando a idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada. Assim, vós não deveis estar apegado às coisas como sendo possuídas de, ou destituídas de, qualidades intrínsecas.
"Esta é a razão porque o Tathagata sempre ensina este axioma: 'Meu ensino da Boa Lei deve ser comparado com uma barca.' [Um homem que já cruzou a correnteza seguramente em uma barca continua a jornada na outra margem carregando aquela barca sobre sua cabeça?] O ensinamento do Buddha [quando finalmente compreendido] deve ser abandonado; e mais ainda [devem ser abandonados] os falsos ensinamentos!"

Seção VII. Os Grandes, Que São Perfeitos Além dos Ensinamentos, Não Enunciam nenhuma Palavra de Ensino


"Subhuti, o que pensais? O Tathagata atingiu a Realização do Incomparável Esclarecimento? Tem o Tathagata um ensinamento para enunciar?"
Subhuti respondeu: "Como entendo as palavras de Buddha, não há nenhuma formulação de Verdade chamada Realização do Incomparável Esclarecimento. Além disso, o Tathagata não tem nenhum ensinamento elaborado para enunciar. Por quê? Porque o Tathagata disse que a Verdade é além da compreensão e inexprimível. Ela nem é [existente] nem não é [existente].
"Assim é, portanto, que este Princípio Não-Formulado ver a ser a fundação dos diferentes sistemas de todos as sábios."

Seção VIII. Os Frutos da Ação Meritória


"Subhuti, o que pensais? Se qualquer um enchesse três mil galáxias de mundos com os sete tesouros [ouro, prata, lápis-lazúli, cristal, coral, ágata e madrepérola] e os desse em oferta de esmolas, obteria tal pessoa grande mérito?"
Subhuti disse: "Obteria grande mérito na verdade, Honrado-Pelo-Mundo! Por quê? Porque acumular méritos é o mesmo que não acumular méritos, e [por isso] o Tathagata caracterizou o acúmulo de méritos como grande."
Então Buddha disse: "Por outro lado, se qualquer um destacasse e abrigasse [em seu espírito] apenas quatro linhas deste Dharma [Ensinamento] e o ensinasse e explicasse a outros, os méritos dessa pessoa seriam ainda maiores.
"Por quê assim seria? Porque, Subhuti, através deste Dharma todos os Buddhas são formados e os Ensinamentos da Realização do Incomparável Esclarecimento de todos os Buddhas são forjados.
"Subhuti, o que é chamado 'A Religião dada por Buddha' [o Buddhismo] não é, de fato, a religião de Buddha."

Seção IX. A Verdadeira Realização é Realização Nenhuma


"Subhuti, o que pensais? Pode um discípulo que entrou na Correnteza da Vida Santa dizer para si mesmo: 'Eu obtive o fruto daqueles que entram na Correnteza da Vida Santa?"
Subhuti disse: "Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por quê? Porque 'Entrar na Correnteza da Vida Santa' é somente um nome. Não há nenhuma entrada na Correnteza. O discípulo que não presta nenhuma consideração à forma, som, odor, paladar, toque, ou qualquer outra qualidade, é [na verdade] aquele que entra na Correnteza."
"Subhuti, o que pensais? Pode um adepto que está sujeito a apenas mais um renascimento dizer para si mesmo: Eu obtive os frutos de Renascer-Apenas-Mais-Uma-Vez?
Subhuti disse: "Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por quê? Porque 'Renascer-Apenas-Mais-Uma-Vez' é somente um nome. Não há nenhum transcurso [para fora da existência] nem entrada em [nova] existência. [O Adepto que entende] isto é chamado 'Aquele-Que-Renascerá-Apenas-Mais-Uma-Vez '."
"Subhuti, o que pensais? Pode um Venerável que nunca mais renascerá como um mortal dizer para si mesmo: Eu obtive os frutos Daquele-Que-Não-Retornará?"
Subhuti disse: "Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por quê? Porque 'Daquele-Que-Não-Retornará' é somente um nome. Não há nenhum Não-Retorno; por isso [tal Venerável] não retornará."
"Subhuti, o que pensais? Pode um santo dizer para si mesmo: Eu obtive a Perfeita [Completa] Iluminação?"
Subhuti disse: "Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por quê? Porque não há nenhuma condição tal como a chamada 'Perfeita Iluminação'. Honrado-Pelo-Mundo, se um santo de Perfeita Iluminação disser a si mesmo 'eu sou Perfeitamente Iluminado', ele necessariamente participaria da idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada. Honrado-Pelo-Mundo, quando o Buddha declara que eu sobressaio entre os homens santos no Yoga da Perfeita Aquiescência, na atitude recolhida, e na superação das paixões, eu não digo para mim mesmo: 'Eu sou um santo de Perfeita Iluminação, livre de paixões'. Honrado-Pelo-Mundo, se eu dissesse para mim mesmo: 'Eu sou um santo de Perfeita Iluminação'; vós não poderias declarar: 'Subhuti encontrou a Felicidade abrigando-se na Paz, em reclusão no coração da floresta. É por isso que Subhuti não reside [prende-se] em lugar nenhum: portanto ele é chamado, 'Subhuti, O-Feliz-Abrigado-na-Paz, Residente-na-Reclusão-da-Floresta'."

Seção X. A Edificação das Terras Puras


Buddha disse: "Subhuti, o que pensais? No remoto passado, quando o Tathagata estava com Dipankara Buddha, ele obteve qualquer grau de mérito na Boa Lei?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo. Quando o Tathagata estava com Dipankara Buddha ele não obteve nenhum grau de mérito na Boa Lei."
"Subhuti, o que pensais? Um Bodhisattva edifica alguma grandiosa Terra Búddhica?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por quê? Porque a edificação de uma grandiosa Terra Búddhica não é uma grandiosa edificação; isto é somente um nome."
[Então Buddha continuou:] "Então, Subhuti, todos os Bodhisattvas, grandes e pequenos, deveriam desenvolver uma mente pura e lúcida, e não deveriam prender-se a som, sabor, toque, odor, ou a qualquer qualidade. Um Bodhisattva deveria desenvolver uma mente que não se apega a nada; e nesta atitude [seu caminho] deve se estabelecer."
"Subhuti, se porventura existisse um homem tão grande quanto o Monte poderoso Sumeru. O que vós pensais? Tal corpo seria grande?"
"Subhuti respondeu: Grande realmente, Honrado-Pelo-Mundo. Isto é porque o Tathagata explicou que não há corpo. Portanto [aquele corpo] é chamado um grande corpo."

Seção XI. A Superioridade da Verdade Não Formulada


"Subhuti, se houvesse tantos rios Ganges quanto os grãos de areia existentes no rio Ganges, seriam os grãos de areia destes rios muito numerosos?"
Subhuti disse: "Muito numerosos realmente, Honrado-Pelo-Mundo! Os próprios rios Ganges seriam inumeráveis; quanto mais assim não seriam os grãos de areia existentes neles?"
"Subhuti, direi a vós uma verdade. Se um homem bom ou uma boa mulher enchessem três mil galáxias de mundos com os sete tesouros para cada grão de areia existentes em todos esses rios de Ganges, e os desse em oferta de esmolas, ele obteria grandes méritos?"
Subhuti respondeu: "Grande realmente, Honrado-Pelo-Mundo!"
Então Buddha declarou: "Não obstante, Subhuti, se um homem bom ou uma boa mulher estudar tão somente este Dharma [Ensinamento], e guardar e reter apenas quatro linhas, ensinando-as e as explicando a outrem, os méritos conseqüentes seriam ainda maiores."

Seção XII. Reverência à Verdadeira Doutrina


"Além disso, Subhuti, vós devereis saber que aonde quer que este Dharma seja proclamado, mesmo que apenas quatro linhas, este lugar deveria ser venerado por todos os reinos dos Suras, Homens e Asuras como se fosse um Santuário Búddhico. Quanto mais será isto verdadeiro no caso daquele que receber e reter todo este Ensinamento, lê-lo e recitá-lo até o fim! "Subhuti, você deveria saber que tal pessoa atinge a mais alta e maravilhosa verdade. Aonde quer que este Ensinamento sagrado possa ser achado vós deveis se comportar como se estivésseis na presença de Buddha e de discípulos merecedores de respeito."

Seção XIII. Como este Ensinamento Deve Ser Recebido e Compreendido


Naquele momento Subhuti dirigiu-se ao Buddha e disse: "Honrado-Pelo-Mundo, por que nome deveria ser conhecido este Ensinamento, e como nós deveríamos recebê-lo e compreendê-lo?"
Buddha respondeu: "Subhuti, este Ensinamento deve ser conhecido como 'O Lapidador de Diamantes da Perfeição da Sabedoria Transcendental' [Prajñaparamita Vajracchedika] - assim se vós devereis recebê-lo e compreendê-lo. Subhuti, por que razão assim deve ser?
"De acordo com o ensinamento do Buddha, a Perfeição da Sabedoria Transcendental não é realmente assim. 'Perfeição de Sabedoria Transcendental' é apenas um nome a isto dado. Subhuti, o que pensais? Tem o Tathagata um ensino para enunciar?"
Subhuti respondeu ao Buddha: "Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não tem nada que ensinar."
"Subhuti, o que pensais? Haveria muitas partículas em [na composição de] três mil galáxias de mundos?"
"Subhuti disse: Muitíssimas realmente, Honrado-Pelo-Mundo!"
"Subhuti, o Tathagata declara que todas estas partículas não são realmente reais; eles são apenas chamadas 'Partículas'. [Além disso,] o Tathagata declara que um mundo realmente não é um mundo; é apenas chamado 'mundo'."
"Subhuti, o que pensais? O Tathagata pode ser percebido pelas trinta e duas peculiaridades físicas [de um sábio excelente]?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não pode ser percebido por estes trinta e dois sinais. Por quê? Porque o Tathagata explicou que os trinta e dois sinais não são reais; eles são apenas chamados 'trinta e dois sinais."
"Subhuti, se por acaso um bom homem ou uma boa mulher venha a sacrificar tantas vidas [em renascimentos] quantos os grãos de areia do Ganges por tantos dias quantos os grãos de areia do Ganges, na verdade se qualquer um deles receber e reter apenas quatro linhas que sejam deste Dharma, ensiná-las e explicá-las a outrem, os méritos desta atitude serão muito maiores [do que os da atitude anterior]."

Seção XIV. A Paz Perfeita está na Libertação de Distinções Características


Na ocasião da audição deste Ensinamento Subhuti teve uma percepção interior de seu significado e foi levado às lágrimas.
Ao que então ele dirigiu-se ao Buddha desta forma: "É a coisa mais preciosa, Honrado-Pelo-Mundo, que o Tathagata tenha pregado este Dharma supremamente profundo. Jamais eu ouvi uma tal exposição desde que minha visão de sabedoria abriu-se. Honrado-Pelo-Mundo, se qualquer um escutar este Dharma com convicção e com uma mente pura e lúcida, ele perceberá a Verdade Fundamental que [este Ensinamento] abriga. Nós então saberemos que tal pessoa será dotada da virtude mais admirável. Honrado-Pelo-Mundo, uma idéia de Verdade Fundamental não é, de fato, uma idéia distintiva; pois o Tathagata ensina que: 'Idéia de Verdade Fundamental' é somente um nome.
"Honrado-Pelo-Mundo, depois de ter escutado este Dharma, eu o recebo e mantenho com convicção e entendimento. Isto não é difícil para mim, mas em idades vindouras - nos últimos quinhentos anos - , se houver homens que, buscando ouvir este Ensinamento forem capazes de recebê-lo e o abrigar com convicção e entendimento, eles serão pessoas de realização ainda mais notável. Por quê? Porque eles ficarão libertos da idéia de uma ego-entidade, libertos da idéia de uma personalidade, libertos da idéia de um ser, e libertos da idéia de uma individualidade separada. E por que assim deve ser? Porque a distinção de uma ego-entidade é errônea. Igualmente a distinção de uma personalidade, ou de um ser, ou de uma individualidade separada é errônea. Por conseguinte, esses que deixaram para trás toda distinção fenomenal são chamados Buddhas."
Buddha disse a Subhuti: "O que dizeis é correto! Se qualquer um ouvir este Sutra e não sentir-se alarmado nem cheio de temor ou medo, saiba-se que tal pessoa atingiu uma notável realização. Por quê? Porque, Subhuti, o Tathagata ensina que a Primeira Perfeição [a Perfeição da Caridade] não é, em verdade, a Primeira Perfeição: isto é somente um nome. Por isso que tal coisa se chama Primeira Perfeição.
"Subhuti, o Tathagata ensina igualmente que a Perfeição da Paciência não é a Perfeição da Paciência: isto é somente um nome. Por que assim é? Isso é assim explicado, Subhuti: Quando o Rajah de Kalinga mutilou meu corpo, eu estava naquele momento livre da idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, e uma individualidade separada. Por quê? Porque então, se quando meus membros estavam sendo cortados pedaço por pedaço, eu enveredasse pelas distinções supracitadas, teriam sido despertados em mim sentimentos de raiva e ódio. Subhuti, eu lembro que muito tempo atrás, em algum momento durante meus quinhentos renascimentos mortais passados, era eu um asceta praticante da paciência. Mesmo então eu estava livre dessas distinções de um Ego separado. Portanto, Subhuti, os Bodhisattvas deveriam deixar para trás todas as distinções fenomenais e deveriam despertar [em si] o pensamento da Realização do Incomparável Esclarecimento, [pelo esforço de] não permitir à mente depender de noções desencadeadas pelo mundo sensório - não permitindo à mente depender de noções desencadeadas por sons, odores, sabores, contatos, ou qualquer qualidade. A mente deve ser mantida independente de qualquer pensamento que surge neste sentido. Se a mente apega-se a qualquer coisa, ela não terá nenhum abrigo seguro. Por isso o Buddha ensina que a mente de um Bodhisattva não deveria relacionar-se às coisas baseadas em sua forma quando exercitando a caridade. Subhuti, quando os Bodhisattvas praticarem a caridade pelo bem-estar de todos os seres viventes, eles deveriam agir dessa maneira. Da mesma maneira que o Tathagata declara que as características não são características, assim Ele declara que todos os seres viventes não são, em verdade, seres viventes.
"Subhuti, o Tathagata é Aquele que declara o que é verdadeiro; Ele declara o que é fundamental; Ele declara o que é definitivo. Ele não declara o que é enganoso, nem o que é terrível. [Isso porque] Subhuti, a Verdade a qual o Tathagata atingiu não é real nem irreal.
"Subhuti, se um Bodhisattva pratica a caridade com a mente apegada às noções formais, ele é como um homem que, embora dotado de olhos, procura [inutilmente] no escuro, cego na obscuridade; mas um Bodhisattva que pratica a caridade com mente desapegada de qualquer noção formal, é como um homem com olhos abertos na glória radiante da manhã, para quem todos os tipos de objetos são claramente visíveis.
"Subhuti, se houverem bons homens e as boas mulheres em idades futuras capazes de receber [na memória], ler e recitar este Sutra em sua totalidade, o Tathagata perceberá [isso]claramente e os reconhecerá por meio do Seu conhecimento Búddhico; e cada um deles usufruirá de imensuráveis e incalculáveis méritos."

Seção XV. O Valor Incomparável deste Ensinamento


"Subhuti, se por um lado, um bom homem ou uma boa mulher executa de manhã tantos atos caridosos de abnegação como os grãos de areia do Ganges, e faz tais atos novamente ao meio-dia e ainda mais à noite, continuando a fazer dessa forma ao longo de eras sem conta, e se, por outro lado, alguém escuta este Dharma com coração convicto e sem contenção, este último seria o mais abençoado. Mas quão mais abençoado, em comparação, será aquele que escrever, receber, manter, e explicar este Ensinamento a outros! "Subhuti, nós podemos resumir a questão dizendo que o valor completo deste Ensinamento não pode ser nem concebido nem calculado, e nem qualquer limite pode ser a ele dado. O Tathagata pregou este ensinamento para o benefício dos iniciados no Grande Caminho; Ele pregou este Dharma para o benefício dos iniciados no Supremo Caminho. Quem quer que venha a receber, manter, estudar, recitar e difundir alhures este Ensinamento, será claramente percebido e reconhecido pelo Tathagata, e alcançará uma perfeição de méritos além das medidas ou cálculos - uma perfeição de mérito ilimitado e inconcebível. Em todo caso tal pessoa atingirá por si mesma a Realização do Incomparável Esclarecimento do Tathagata. Por quê assim será? Porque, Subhuti, esses que se perdem em concepções limitadas que envolvem a idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada estão impossibilitados de aceitar, receber, estudar, recitar e abertamente explicar este Dharma.
"Subhuti, em todo lugar onde este Ensinamento poderá ser achado, os reinos inteiros de Suras, Homens e Asuras deveriam oferecer adoração; porque vós tendes que saber que tal lugar é tão sagrado como um santuário, e deveria ser corretamente venerado por todos com cerimonial observância dando-se voltas da esquerda para a direita, e com oferecimentos de flores e incenso."

Seção XVI. Purificação através de Sacrifícios por Retribuição de Deméritos Passados


"Além disso, Subhuti, se acaso bons homens e boas mulheres que recebem e mantêm este Ensinamento sofrem humilhações, tais sacrifícios são o resultado inevitável de deméritos cometidos em renascimentos passados. Mas em virtude destes infortúnios presentes, os efeitos demeritórios do passado serão assim purificados, e eles estarão em uma posição de atingir a Realização do Incomparável Esclarecimento.
"Subhuti, lembro-me do passado infinitamente remoto antes de Dipankara Buddha. Haviam 84,000 miríades de milhões de Buddhas e a todos estes Eu fiz oferendas; sim, a todos estes Eu servi sem o menor rastro de falta. Não obstante, se qualquer um for capaz de receber, manter, estudar e recitar este Ensinamento ao término do último período [de 500 anos](1), esta pessoa ganhará tantos méritos, que os méritos que obtive no serviço de todos aqueles Buddhas não poderão representar uma centésima parte disto, ou nem mesmo uma multiquadrilionésima parte disto - na verdade, não há nenhuma possibilidade de comparação.
"Subhuti, se Eu detalhadamente explicasse os méritos ganhos pelos bons homens e boas mulheres que receberem, mantiverem, estudarem e recitarem este Ensinamento no último período, meus ouvintes ficariam cheios de dúvidas e poderiam ter a mente completamente desordenada com suspeitas e descrenças. Vós deveríeis saber, Subhuti, que o significado deste Ensinamento está além da concepção; igualmente os frutos [meritórios] que este Dharma oferece estão além de concepção."

Seção XVII. Ninguém Alcança o Nirvana


Naquele momento Subhuti dirigiu-se ao Buddha dessa forma: "Honrado-Pelo-Mundo, se bons homens e boas mulheres buscam a Realização do Incomparável Esclarecimento, por quais critérios deveriam eles basear-se e como eles deveriam equilibrar os pensamentos?"
Buddha respondeu a Subhuti: "Os bons homens e boas mulheres que buscam a Realização do Incomparável Esclarecimento precisam desenvolver a seguinte atitude mental: 'Eu devo [me empenhar para] liberar todos os seres viventes, todavia [mesmo] quando todos tiverem sido liberados, em verdade nem mesmo um deles estará liberado'. E por quê? Se um Bodhisattva prende-se à idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada [em relação aos seres viventes], ele não será um verdadeiro Bodhisattva, Subhuti. Isto porque em realidade não há nenhum método que possa levar à Realização do Incomparável Esclarecimento.
"Subhuti, o que pensais? Quando o Tathagata estava com Dipankara Buddha, existia naquela ocasião qualquer fórmula para a obtenção da Realização do Incomparável Esclarecimento?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, de acordo com o meu entendimento das palavras de Buddha, não existia nenhum método pelo qual o Tathagata atingiria a Realização do Incomparável Esclarecimento."
Buddha disse: "Vós tendes razão, Subhuti! Em verdade não havia nenhum método através da qual o Tathagata atingiria a Realização do Incomparável Esclarecimento. Subhuti, houvesse naquela ocasião tal método, Dipankara Buddha não teria predito o seguinte em relação a mim: 'Em eras futuras vós vireis a ser um Buddha chamado o Shakyamuni'; mas Dipankara Buddha pôde fazer tal predição em relação a mim porque não há nenhum método de fato para a obtenção da Realização do Incomparável Esclarecimento. A razão disto é que Tathagata é [em si] uma significação abrangendo todos os métodos; Tathagata é um outro nome para a Verdade Suprema; Tathagata é um outro nome da cessação de existir; Tathagata é um outro nome para o não-nascer. Isso porque, Subhuti, o fato de não haver nascimento é a Verdade Suprema.
"No caso de qualquer um afirmar que o Tathagata atingiu a Realização do Incomparável Esclarecimento, eu verdadeiramente vos digo, Subhuti, que não há nenhum método através do qual o Buddha atingiu a Verdade Suprema. Subhuti, a base da obtenção pelo Tathagata da Realização do Incomparável Esclarecimento está completamente além [dessa afirmação]; ela nem é real nem irreal. Consequentemente eu vos digo que todo o reino de formulações [de métodos] não são reais, por isso todos eles são chamados: 'Reino de formulações'.
"Subhuti, uma comparação pode ser feita com [a idéia de] um gigantesco corpo de um homem."
Então o Venerável Subhuti disse: "O Honrado-pelo-Mundo declarou que tal homem na verdade não possui corpo; por isso é chamado 'grande corpo'."
"Subhuti, é o mesmo relativo aos Bodhisattvas. Se um Bodhisattva anuncia: 'Eu liberarei todas as criaturas viventes', ele não pode ser chamado de Bodhisattva. Por quê? Porque, Subhuti, realmente não há nenhuma condição como essa chamada de 'Bodhisattva', pois o Buddha ensina que todas as coisas são destituídas de Seidade, destituídas de individualidade separada. Subhuti, se um Bodhisattva anuncia: 'Eu edificarei uma magnífica Terra Pura [Búddhica]', não pode ser chamado de Bodhisattva, porque o Tathagata declarou que aquilo que é chamado de edificação de uma Terra Pura não existe: tal coisa é apenas chamada 'Edificação de uma Terra Pura'.
"Subhuti, os Bodhisattvas que são completamente destituídos de qualquer concepção de Seidade, estes são justa e verdadeiramente chamados Bodhisattvas."

Seção XVIII. Todos os Modos Mentais são Realmente Uma Mente


"Subhuti, o que pensais? O Tathagata possui olhos humanos?"
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele os possui."
"Subhuti, o que pensais? O Tathagata possui o Olho Divino?"
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui."
"Subhuti, o que pensais? O Tathagata possui o Olho da Sabedoria?"
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui."
"Subhuti, o que pensais? O Tathagata possui o Olho do Dharma?"
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui."
"Subhuti, o que pensais? O Tathagata possui o Olho Búddhico da Omnisciência?"
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui."
"Subhuti, o que pensais? Relativo aos grãos de areia do Ganges, o Buddha acaso ensinou sobre eles?"
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata ensinou acerca destes grãos."
"Entretanto, Subhuti, se houvesse tantos rios Ganges quanto os grãos de areia do Ganges e se houvesse uma Terra Búddhica para cada grão de areia de todos esses rios Ganges, essas Terras Búddhicas seriam muitas?"
[Subhuti respondeu]: "Seriam realmente muitas, Honrado-Pelo-Mundo!"
Então Buddha disse: "Subhuti, apesar de muitos seres viventes existirem em todas essas terras búddhicas, e a despeito deles possuírem múltiplos modos mentais, o Tathagata entende-os a todos. Por quê? Porque o Tathagata ensina que todos estes modos não são a Mente; por isso são eles chamados de 'modos mentais'.
"Subhuti, a Mente do Passado é impossível reter, a Mente do Presente é impossível sustentar, a Mente do Futuro é impossível apreender."

Seção XIX. A Realidade absoluta é o Único Fundamento


"Subhuti, o que pensais? Se qualquer um enchesse três mil galáxias de mundos com os sete tesouros e os desse todos como oferta de esmolas, esta pessoa ganharia grandes méritos?"
"Realmente sim, Honrado-Pelo-Mundo, esta pessoa ganharia grandes méritos!"
"Subhuti, se tais méritos fossem reais, o Tathagata não teria declarado que eles fossem grandes, mas porque estes méritos não possuem fundamento o Tathagata os caracterizam como 'grandes méritos'."

Seção XX. A Irrealidade das Distinções Fenomenais


"Subhuti, o que pensais? O Buddha pode ser percebido como aquele que adquiriu um corpo perfeitamente formado?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não pode ser percebido pelo seu corpo perfeitamente formado, porque o Tathagata ensina que um corpo perfeitamente formado não é perfeitamente formado; é apenas chamado 'um corpo perfeitamente formado'."
"Subhuti, o que pensais? O Tathagata pode ser percebido por meio de qualquer característica fenomenal?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não pode ser percebido por qualquer característica fenomenal, isso porque o Tathagata ensina que aquelas características fenomenais não são realmente características fenomenais; elas somente são chamadas 'características fenomenais'."

Seção XXI. Palavras não podem expressar a Verdade.


"Aquilo que as Palavras expressam não é a Verdade. "Subhuti, não afirmeis que o Tathagata concebe a idéia: 'Eu indiquei um Ensinamento.' Pois se qualquer um disser que o Tathagata indicou um Ensinamento esta pessoa realmente calunia o Buddha, e é incapaz de explicar o que Eu ensino. Para qualquer sistema [que pretende declarar a] Verdade, a Verdade [de fato] não é declarada; apenas damos a [estes sistemas] o nome de 'uma declaração da Verdade'."
Ao ouvir isso, Subhuti falou estas palavras para o Buddha: "Honrado-Pelo-Mundo, nas idades futuras haverão homens que, buscando ouvir uma exposição deste Ensinamento, serão inspirados com convicção?"
Buddha respondeu: "Subhuti, estes homens não são seres viventes nem são seres não-viventes. Por quê? Porque, Subhuti, estes 'seres viventes' não são realmente seres viventes; eles apenas são chamados 'seres viventes'."

Seção XXII. Não Pode ser dito que qualquer coisa é atingível


Então Subhuti perguntou ao Buddha: "Honrado-Pelo-Mundo, ao atingir a Realização do Incomparável Esclarecimento, o Buddha não obteve qualquer tipo de recompensa?"
Buddha respondeu: "Exatamente isso, Subhuti. Pela Realização do Incomparável Esclarecimento Eu não adquiri nem mesmo a menor coisa; pois de fato dizer que o Buddha 'atingiu a Realização do Incomparável Esclarecimento' não é possível; por isso [tal fato] é chamado 'Realização do Incomparável Esclarecimento'."

Seção XXIII. A Prática de Bons Atos Purifica a Mente


"Além disso, Subhuti, este fato é verdadeiro em todos lugares, sem diferenciação ou grau [discriminatório]; portanto isto é chamado 'Realização do Incomparável Esclarecimento'. É diretamente atingido liberando-se [da idéia] de uma identidade pessoal separada e cultivando-se todos os tipos de bondade.
"Subhuti, embora nós falemos de 'bondade', o Tathagata declara que não há nenhuma bondade; tal palavra é somente um nome."

Seção XXIV. Os Méritos Incomparáveis deste Ensinamento


"Subhuti, se houver uma pessoa que dê em oferta de esmolas os sete tesouros, num volume igual em extensão a muitos poderosos Montes Sumerus que existissem em três mil galáxias de mundos, e se houvesse outra pessoa que selecionasse ainda que apenas quatro linhas deste Ensinamento sobre a Perfeição da Sabedoria Transcendental, recebesse e as mantivesse, e claramente as explicasse para outros, os méritos desta última pessoa seria tão maior do que os méritos da pessoa anterior que nenhuma comparação concebível poderia ser feita entre eles."

Seção XXV. A Ilusão do Ego


"Subhuti, o que pensais? Ninguém deve imaginar que o Tathagata aprecia a idéia: 'Eu tenho que liberar todos os seres viventes'. Não permitais que ninguém tenha tal pensamento, Subhuti. Por quê? Porque em realidade não há nenhum ser vivente a ser liberado pelo Tathagata. Se houvessem seres viventes passíveis de serem liberados pelo Tathagata, Ele participaria da idéia de Seidade, de uma identidade de personalidade, e de individualidade separada.
"Subhuti, embora as pessoas comuns aceitem o egoísmo como real, o Tathagata declara que o Ego não é diferente do não-Ego. Subhuti, aqueles a quem o Tathagata refere-se como 'pessoas comuns' não são realmente pessoas comuns; são elas apenas chamadas 'pessoas comuns'."

Seção XXVI. O Corpo da Verdade não tem nenhuma Marca


"Subhuti, o que pensais? O Tathagata pode ser reconhecido pelas trinta e duas marcas [de um grande homem]?"
Subhuti respondeu: "Não, o Tathagata pode não ser percebido assim."
Então Buddha disse: "Subhuti, se o Tathagata pudesse ser reconhecido por tais sinais, qualquer grande regente imperial seria igual ao Tathagata."
Subhuti disse então a Buddha: "Honrado-Pelo-Mundo, conforme meu entendimento do significado das palavras de Buddha, o Tathagata não pode ser reconhecido pelas trinta e duas marcas."
Então o Honrado-pelo-Mundo recitou este poema:
"Aquele que me vê através da forma,
Aquele que me busca pelo som,
Tem seus passos confundidos na busca do Caminho,
Porque ele [em verdade] não pode perceber o Tathagata."

Seção XXVII. É Errôneo Afirmar que Todas as Coisas são Sempre Passíveis de Extinção


"Subhuti, se vós concebeis a idéia de que o Tathagata atingiu a Realização do Incomparável Esclarecimento por causa de sua forma corporal perfeita, não deveis manter tais pensamentos. A realização do Tathagata não ocorreu devido à sua forma corporal perfeita. [Por outro lado] Subhuti, se vós concebeis a idéia que qualquer um que atingir a Realização do Incomparável Esclarecimento vai declarar que todos os padrões de referência [das manifestações existenciais] estão terminadas e extintas, não [mais] sustentais tais pensamentos. Por quê? Porque o homem em quem a Realização do Incomparável Esclarecimento surge não afirma que qualquer coisa cessa de existir, que qualquer coisa termina."

Seção XXVIII. Apego às Recompensas pelos Méritos


"Subhuti, se um Bodhisattva dá em caridade os sete tesouros [em montantes] suficientes para encher tantos mundos quantos os grãos de areia no rio Ganges, e outro, percebendo que todas as coisas são destituídas de um Eu, atinge a perfeição através do auto-equilíbrio, os méritos deste último excederão de longe os do anterior. Por que isto assim seria, Subhuti? É porque todos os [verdadeiros] Bodhisattvas são desapegados às recompensas pelos atos meritórios."
Então Subhuti perguntou a Buddha: "O que quereis dizer, Honrado-Pelo-Mundo, ao declarar 'Bodhisattvas são desapegados às recompensas pelos atos meritórios'?"
[E Buddha respondeu]: "Subhuti, Bodhisattvas que alcançam méritos não deveriam apegar-se ao desejo de adquirir recompensas. Por isso é dito que as recompensas pelos méritos não são [realmente] adquiridas."

Seção XXIX. Perfeita Tranqüilidade


"Subhuti, se qualquer um viesse a dizer que o Tathagata vem ou vai ou se senta ou reclina-se, ele falha em entender meu ensinamento. Por que? Porque o [assim chamado] Tathagata não vai a parte alguma nem vem de nenhuma parte, por isso é Ele chamado 'o Tathagata'."

Seção XXX. O Princípio Integrativo


"Subhuti, se um bom homem ou uma boa mulher moessem um número infinito de galáxias de mundos [para que se reduzissem]a um pó de minúsculas partículas, tais pequenas partículas resultantes seriam muitas?"
Subhuti respondeu: "Muitas realmente, Honrado-Pelo-Mundo! Por quê? Porque se tais coisas fossem realmente minúsculas partículas, o Buddha não teria falado delas como minúsculas partículas. Isso porque declarou Buddha que tais partículas não são realmente partículas. 'Minúsculas Partículas' são apenas o nome dado a elas. Da mesma forma, Honrado-Pelo-Mundo, quando o Tathagata fala de galáxias de mundos, estes não são mundos; para que estas [estruturas] em realidade pudessem ser chamadas de mundos, este seria um Universo [preso à idéia de] Individualidade Existencial, e o Tathagata ensina que tal coisa realmente não existe. 'Universo' é apenas uma palavra.
[Então Buddha disse]: "Subhuti, palavras não podem explicar a real natureza de um Universo. Somente as pessoas comuns [ignorantes], apegadas ao desejo, fazem uso deste método arbitrário [de interpretação]."

Seção XXXI. A Verdade Convencional Deveria Ser Cortada


"Subhuti, se qualquer um viesse a dizer que Buddha declara qualquer concepção de Ego-Identidade, vós considerarias que tal pessoa entendeu meu ensinamento corretamente?"
"Não, Honrado-Pelo-Mundo, tal um homem não teria qualquer capacidade de entendimento do que o Tathagata está ensinando, porque o Honrado-Pelo-Mundo [na verdade] declara que noções de Seidade, personalidade, entidade e individualidade separada como realmente existentes são errôneas - estas condições somente são figuras de linguagem."
[Logo após Buddha disse]: "Subhuti, esses que aspiram à Realização do Incomparável Esclarecimento deveriam reconhecer e deveriam entender todas as variedades de coisas da mesma forma, e deveria cortar o surgimento de [concepções interpretativas de simples] aspectos. Subhuti, no que diz respeito aos aspectos, o Tathagata declara que em realidade eles não são aspectos. Eles são apenas chamados 'aspectos'."

Seção XXXII. A Ilusão das Aparências


"Subhuti, alguém poderia encher mundos inumeráveis com os sete tesouros e poderia os dar em oferta de esmolas, mas se qualquer bom homem ou qualquer boa mulher ilumina-se com o Esclarecimento e toma mesmo que apenas quatro linhas deste Dharma, recitando-as, praticando-as, recebendo-as, mantendo-as e as divulgando alhures, explicando-as para o benefício de outros, serão [pessoas] ainda mais meritórias.
"Agora de que maneira poderiam [tais pessoas] explicar [estas linhas] para outros? Por desapego às formas - abrigando-se na Verdade.
"Portanto eu vos digo:
"Assim, devereis pensar sobre este impermanente mundo [como se ele fosse]:
Uma estrela ao amanhecer, uma bolha d'água em um riacho;
Um clarão de um raio em uma nuvem de verão,
Uma vela piscante, um fantasma, ou um sonho..."
Quando o Buddha terminou este Ensinamento o Venerável Subhuti, junto com o bhikshus, bhikshunis, os irmãos e irmãs leigos, e os todos os reinos de Deuses, Homens, Asuras e Gandharvas, ficaram plenos de alegria pelas Suas Palavras, e, abrigando-as sinceramente em seus corações, eles seguiram seus caminhos.


(1) Segundo a tradição popular, nos primeiros quinhentos anos após a morte de Buddha, o Dharma por ele pregado seria firmemente ensinado e compreendido por muitos; esse primeiro período é chamado "Período da Verdadeira Lei". No segundo período - os últimos quinhentos anos - uma decadência da compreensão do Dharma ocorreria, impedindo a Iluminação; esse último período é chamado "Período da Imagem da Lei". Seguir-se-ia depois um período de total obstacularização da compreensão do Dharma, chamado "Período do Fim da Lei".


 
 
 
Sutra de Lótus
 
O Sutra do lótus ou Sutra do lótus branco do darma sublime (em sânscritoSaddharnapuṇḍaríka; em chinês, Miàofǎliánhuájīng 妙法蓮華經; em japonêsMyoho Rengue Kyo 妙法蓮華經) é um dos sutras mais populares e influentes do budismomahaiana. É considerado, por muitas seitas budistas, como o ápice dos ensinamentos de Sidarta Gautama ou Sakyamuni. Faz parte do cânone do Zen () e é o fundamento das escolas japonesas Tendai (天台) e Nitiren (日蓮).
 

Traduções

O Sutra do Lótus foi traduzido para o chinês por várias pessoas. Dessas traduções, a considerada mais precisa é uma versão de sete rolos com 28 capítulos escrita por Kumarajiva no ano de 406. Foi traduzido para a língua portuguesa por João Rodrigues, entre outros. O título chinês costuma ser abreviado para 法華經, lido como Fǎhuā Jīng em chinês ou Hokkekyo em japonês.
 
Ficheiro:5th century Lotus Sutra fragment.JPG
Fragmento de uma versão em sânscrito do Sutra do Lótus, do século V, encontrada em Hotan, em Xinjiang, na República Popular da China
 
 

Interpretações pelas escolas budistas

Para a tradição fundada e nomeada por Nitiren (日蓮) (1222-1282), o Sutra do Lótus seria a própria corporificação do darma.1 Essa interpretação pode ser depreendida do título conferido ao sutra por esta escola budista e pela interpretação do texto do segundo capítulo, "Meios", onde o Buda Sakyamuni declara que, até a exposição do Sutra do Lótus, teria se utilizado de meios para ensinar os seres vivos e que, somente com a transmissão do Sutra do Lótus, ele iria revelar a verdade doDarma. Considera-se que o "Sutra dos infinitos significados" (Muryogui kyo) seja seu prefácio e que o "Sutra do bodisatva universalmente meritório", em japonês Fugen Kyo, seja sua conclusão. Nitiren propôs a recitação do mantra Namu Myoho Rengue Kyo, ou "Refugio-me no Sutra do Lótus", como fórmula devocional para se chegar à iluminação espiritual.2

Referências

  1. Ir para cima Mc Cormick, Ryuei Michael, Rev. Who's Who on the Gohonzon? [1]. Acesso março de 2007
  2. Ir para cima O significado do Namu-myou-hou-rengue-kyou[2]Acesso Outubro de 2008

Bibliografia

  • Nhât Hanh, Thích. Opening the Heart of the Cosmos.Insights on the Lotus Sūtra. Berkeley, Parallax Press, 2003.
 


1 - Apresentação da Tradução
2 - Capítulo I: Introdução
3 - Capítulo II: Meios Expeditos
4 - Capítulo III: Metáforas e parábolas
5 - Capítulo IV: Fé e Compreensão 
6 - Capítulo V: A Parábola das Ervas Medicinais 
7 - Capítulo VI: Atribuição de profecias 
8 - Capítulo VII: A parábola da cidade fantasma
9 - Capítulo VIII: Profecia de iluminação para quinhentos discípulos
10 - Capítulo IX: Profecias Conferidas aos Aprendizes e Adeptos
11 - Capítulo X: O Mestre da Lei
12 - Capítulo XI: O Aparecimento da Torre do Tesouro
13 - Capítulo XII: Devadatta
14 - Capítulo XIII: Admoestação Para Abraçar o Sutra
15 - Capítulo XIV: Práticas Pacíficas 
16 - Capítulo XV: Emergindo da Terra 
17 - Capítulo XVI: A Duração da Vida do Tathagata 
18 - Capítulo XVII: Distinção de Benefícios
19 - Capítulo XVIII: Os Benefícios da Alegre Aceitação
20 - Capítulo XIX: Os Benefícios do Mestre da Lei 
21 - Capítulo XX: O Bodhisattva Nunca Desprezando
22 - Capítulo XXI: Os Poderes Místicos do Tathagata 
23 - Capítulo XXII: Transmissão
24 - Capítulo XXIII: Os Feitos Passados do Bodhisattva Rei da Medicina (Bhaishagyarâga) 
25 - Capítulo XXIV: O Bodhisattva Miozon (Gadvadasgara) 
26 - Capítulo XXV: A Passagem Universal do Bodhisattva Kanzeon (Avalokitesvara) 
27 - Capítulo XXVI: Dharani
28 - Capítulo XXVII: Os Actos Passados do Rei Adorno Maravilhoso
29 - Capítulo XXVIII: O Incentivo do Bodhisattva Universalmente Meritório Smantabhadra) 
(adaptado de outra fonte, veja o texto explanatório abaixo)

 



 
Esta página foi feita a partir do trabalho de João Rodrigues, disponibilizado generosamente pelo Informativo Chung Tao. Por motivos pessoais, senti a necessidade de ter uma forma conveniente de consulta ao texto do Sutra do Lótus. Como a versão no Chung Tao não oferece facilidades de consulta ao texto como um todo, e este outro repositório da HBS também não (além do mais, ambos estão incompletos, ainda que em um caso apenas do último capítulo) optei por construir este índice e copiar o texto em inglês da Soka Gakkai Internacional para o último capítulo. Mais recentemente descobri este excelente repositório, onde encontrei a tradução do último capítulo, que está agora disponível logo abaixo.
Uma tradução para a língua inglesa está disponível no sítio da SGI-USA.
Nenhum tipo de desafio aos direitos autorais devidos é pretendido por esta página. Nenhum ganho financeiro está sendo tentado por esta página. Nenhum tipo de apoio ou ataque a qualquer escola específica que se considere budista deve ser entendido como intenção desta página, que busca única e exclusivamente facilitar o acesso ao texto do Sutra do Lótus.
O Sutra do Lótus é comentado em várias versões da Wikipedia, inclusive as de língua inglesa e portuguesa.
Caso você tenha interesse em outros textos budistas, queira conferir esta minha outra página.
Muita paz,
Luís Dantas - luis@dantas.com

 


Outras páginas relativas ao Sutra do Lótus:
Site MeterStatCounter - Free Web Tracker and Counter
 
 
 
 
 
 
Capítulo Um: Introdução
Capítulo Dois: Meios Hábeis
Capítulo TrêsMetáforas e Parábolas
Capítulo QuatroFé e Compreensão
Capítulo Cinco: A Parábola das Ervas Medicinais
Capítulo Seis: Atribuição de Profecias
Capítulo Sete: A Parábola da Cidade Fantasma
Capítulo Oito: Profecia de Iluminação Para Quinhentos Discípulos
Capítulo Nove: Profecias Conferidas aos Aprendizes e Adeptos
Capítulo Dez: O Mestre da Lei
Capítulo Onze: O Aparecimento da Torre do Tesouro
Capítulo Doze: Devadatta
Capítulo Treze: Admoestação Para Abraçar o Sutra
Capítulo Catorze: Práticas Pacíficas
Capítulo Quinze: Emergindo da Terra
Capítulo Dezasseis: A Duração da Vida do Tathagata
Capítulo Dezassete: Distinção de Benefícios
Capítulo Dezoito: Os Benefícios da Alegre Aceitação
Capítulo Dezanove: Os Benefícios do Mestre da Lei
Capítulo Vinte: O Bodhisattva Sem Desprezo
Capítulo Vinte e Um: Os Poderes Místicos do Tathagata
Capítulo Vinte e Dois: Transmissão
Capítulo Vinte e Três: Os Feitos Passados do Bodhisattva Rei da Medicina (Bhaishagyarâga)
Capítulo Vinte e Quatro: O Bodhisattva Miozon (Gadvadasgara)
Capítulo Vinte e Cinco: A Passagem Universal do Bodhisattva Contemplador dos Sons do Mundo (Avalokitesvara) - última revisão 10-11-2004
Capítulo Vinte e Sete: Os Actos Passados do Rei Adorno Maravilhoso
Capítulo Vinte e Oito: O Incentivo do Bodhisattva Universalmente Meritório (Samantabhadra)
 
 
Familiarizando-se com os Suttas
Algumas sugestões para a leitura dos discursos em Pali
por John Bullitt


Cânone em Pali possui cerca de 11.500 suttas (discursos), dos quais mais de 5.300 estão disponíveis em Português aqui no site ‘Acesso ao Insight’. Quando confrontado com esse imenso repositório de riquezas, três questões surgem naturalmente na mente:
Não existem respostas únicas, definitivas para essas questões; no final das contas você terá que encontrar suas próprias respostas. Apesar disso, ofereço algumas idéias, sugestões, e dicas que ao longo dos anos têm ajudado na minha própria descoberta dos suttas. Talvez você também as considere úteis.
Por que devo ler os suttas?
Eles são a fonte original dos ensinamentos do Budismo Theravada.
Se você está interessado(a) em entender melhor os ensinamentos do Budismo Theravada, então o Cânone em Pali – e os suttas nele contidos – é o lugar onde encontrar informação e apoio confiável. Você não deve se preocupar se as palavras nos suttas foram na realidade pronunciadas pelo Buda histórico (ninguém está em condições de provar isso). Ao invés disso, tenha em mente que os ensinamentos dos suttas foram praticados – evidentemente com sucesso – por um número incontável de pessoas por aproximadamente 2.600 anos. Se você quer saber se os ensinamentos realmente funcionam, então estude os suttas e coloque os seus ensinamentos em prática e descubra por si mesmo.
Eles apresentam um conjunto completo de ensinamentos.
Os ensinamentos contidos nos suttas, considerando o seu conjunto total, apresentam um guia completo que guiará o(a) estudioso(a) do seu atual estágio de desenvolvimento espiritual em direção ao objetivo final. Não importa qual seja o seu estágio atual (observador cético, iniciante, praticante leigo devoto ou um monge (a) celibatário (a)), existe sempre algo nos suttas para auxiliá-lo (a) no caminho em direção ao objetivo. O mais importante é que, conforme você lê mais e mais extensamente o Cânone em Pali, você irá sentir menos necessidade de tomar ensinamentos de outras tradições espirituais, já que os suttas contêm a maior parte daquilo que você necessita saber.
Eles apresentam um conjunto de ensinamentos fiel a si mesmo
Os ensinamentos do Cânone são amplamente fiéis a si mesmos, caracterizados por 
um único sabor – aquele da libertação. Na medida que você percorre o seu caminho pelos suttas, no entanto, de tempos em tempos você poderá encontrar ensinamentos que questionem – ou claramente contradigam – o seu entendimento do Dhamma naquele momento. Refletindo profundamente acerca desses obstáculos, o conflito freqüentemente se dissolve abrindo novos horizontes de compreensão. Por exemplo, você pode concluir da leitura de um sutta [Snp IV.1] que a sua prática deve ser de evitar todo tipo de desejos. Porém lendo outro [SN LI.15], você aprende que o desejo é um dos fatores necessários no caminho. Somente após alguma reflexão fica claro que o ponto colocado pelo Buda é de que existem diferentes tipos de desejo, e que algumas coisas valem a pena ser desejadas – especialmente, a extinção de todo desejo. Nesse ponto a sua compreensão se expande para um outro nível que pode facilmente incluir ambos suttas, e a aparente contradição se evapora. Ao longo do tempo você irá aprender a reconhecer essas aparentes “contradições” não como inconsistências nos suttas mas como uma indicação de que os suttas o (a) conduziram até o limite do seu próprio entendimento. Cabe a você ultrapassar essa barreira.
Eles oferecem muitos conselhos práticos.
Nos suttas você encontrará uma abundância de conselhos acerca de uma grande quantidade de assuntos relacionados com o mundo real, como por exemplo: como os filhos e pais podem viver em harmonia [
DN31], como proteger suas propriedades materiais [AN IV.255], que tipos de coisas valem a pena e não valem a pena ser faladas [AN X.69], como lidar com o pesar [AN V.49], como treinar a sua mente mesmo no leito de morte [SN XXII.1], e muito, muito mais. Em resumo, eles oferecem conselho prático e realista de como encontrar a felicidade, não importando qual seja a sua situação de vida, não importando se você se considera um budista ou não. E é claro você encontrará muitas instruções sobre como meditar [ex.: MN 10MN118].
Eles podem reforçar a sua confiança nos ensinamentos do Buda.
Conforme você investiga os suttas irá encontrar coisas que já sabe são verdadeiras pela sua própria experiência. Talvez você já tenha bastante familiaridade com os riscos do alcoolismo [
DN 31], ou talvez você já tenha experimentado o refinado prazer que surge naturalmente na mente que está concentrada [ AN V.28]. Vendo a sua própria experiência confirmada nos suttas – mesmo que em pequena escala – pode facilitar a aceitação de que não é impossível alcançar os estados mais refinados ou ‘avançados’ que o Buda descreve, e de que alguns dos ensinamentos mais difíceis e contrários à intuição podem não ser na verdade, tão estranhos. Essa validação pode gerar renovada confiança e energia que auxiliará a sua meditação e a sua compreensão conquistar novos territórios.
Eles podem apoiar e energizar sua prática de meditação.
Quando você lê nos suttas a respeito das experiências meditativas de outras pessoas, você começa a ter uma noção do que já alcançou na sua prática, e o que ainda resta por fazer. Esse entendimento pode proporcionar um poderoso impulso para que você aplique os ensinamentos com mais comprometimento ainda.
Ler os suttas simplesmente lhe fará bem.
As instruções contidas nos suttas são inteiramente de uma natureza saudável, e são todas acerca do desenvolvimento de qualidades elogiáveis tais como a generosidade, virtude, paciência, concentração, atenção plena, etc. Portanto quando você lê um sutta está preenchendo a sua mente com coisas saudáveis. Se você considerar a quantidade de informação inútil e claramente destrutiva que a sociedade moderna – especialmente a Internet - impinge sobre os nossos sentidos, dia após dia, um pouco de estudo rotineiro dos suttas pode se transformar em uma ilha de segurança e sanidade em um mundo perigoso. Cuide bem da sua mente – leia um sutta hoje e leve-o a sério.


Quais suttas eu devo ler?
A resposta rápida é: qualquer um que você queira.
Pode ajudar se pensarmos acerca do Dhamma como uma jóia multifacetada, com cada sutta proporcionando um vislumbre de uma ou duas facetas. Por exemplo, existem os ensinamentos das quatro Nobres Verdades e do Caminho Óctuplo; de dana e sila; deatenção plena na respiração e atenção plena na morte; sobre como viver de maneira hábil como um leigo ou como um monge ordenado; e mais, muito mais. Nenhum sutta sozinho diz tudo; cada um depende dos outros para formar um quadro completo dos ensinamentos do Buda. Quanto mais você puder ler dos suttas, mais completo ficará o seu quadro dessa jóia.
Como ponto de partida, todo estudante de Budismo deveria estudar, refletir, e aplicar osCinco Preceitos e os Cinco Temas para Contemplação Diária. Além disso, deveríamos levar a sério o conselho do Buda para o seu jovem filho Rahula, que diz respeito às nossas responsabilidades básicas todas as vezes em que realizamos um ato intencional de qualquer tipo. A partir daí, você pode seguir com o caminho passo a passo ou sistema em ‘degraus’ dos ensinamentos do Buda, que compreende os tópicos da generosidadevirtudeparaíso,desvantagensrenúncia e as Quatro Nobres Verdades.
Se você está interessado (a) em uma base sólida acerca dos fundamentos dos ensinamentos do Buda, três suttas são amplamente respeitados como leitura obrigatória: Colocando a Roda do Dhamma em Movimento (SN LVI.11), As Características do Não Eu (SN XXII.59) e oDiscurso do Fogo (SNXXXV.28). Juntos, esses suttas – os “Três Grandes” do Sutta Pitaka – definem os temas básicos dos ensinamentos do Buda que reaparecem em incontáveis variações por todo o Cânone. Nesses suttas somos apresentados a idéias fundamentais como: as Quatro Nobres Verdades, a natureza de dukkha; o Caminho Óctuplo; o “caminho do meio”; a “roda” do Dhamma; o principio de anatta (não-eu) e a análise da “identidade” como cinco agregados; o principio de deixar de lado o encantamento com a gratificação sensual; e os muitos planos de existência que caracterizam o amplo espectro da cosmologia Budista. Esses princípios básicos proporcionam uma estrutura sólida sobre a qual todos os demais ensinamentos do Cânone podem ser assentados.
Alem disso, esses três suttas demonstram com beleza a extraordinária habilidade do Buda como mestre: ele organiza o seu material de forma clara, lógica e memorável, utilizando listas ( as Quatro Nobres Verdades, o Caminho Óctuplo, os cinco agregados, etc.); ele engaja a audiência em um diálogo, para auxiliá-los a revelar por si mesmos os erros no seu entendimento; ele comunica os seus pontos utilizando ilustrações e imagens que a sua audiência compreende rapidamente; e , o mais importante, freqüentemente ele estabelece uma conexão com a sua audiência tão eficaz que eles são capazes de perceber por si mesmos os resultados extraordinários que ele promete. Uma vez que temos a capacidade de ver o Buda como o mestre extraordinário e capaz que ele é, podemos prosseguir com confiança pelo resto do Cânone, confiando plenamente que os seus ensinamentos não nos deixarão perdidos.
Outros pontos de partida proveitosos:
Para as instruções básicas do Buda sobre a meditação da respiração, veja o Anapanasati Sutta; para as suas instruções para a prática da atenção plena, veja o Satipatthana Sutta.
Para aprender como cultivar um coração pleno de amor bondade, veja o Karaniya Metta Sutta.
No Devadaha Sutta o Venerável Sariputta explica como apresentar os ensinamentos do Buda para pessoas inteligentes e questionadoras – alguém como você.
Como decidir quais caminhos espirituais valem a pena ser desenvolvidos e quais não? OKalama Sutta esclarece esse antigo dilema.
No Sigalovada Sutta o Buda oferece um “manual de instruções” conciso que mostra como leigos podem viver vidas felizes e plenas.



Como devo ler um sutta?
Para obter o máximo dos seus estudos dos suttas, pode ser de ajuda considerar alguns princípios gerais antes que você comece a sua leitura e uma vez que você começou a ler um sutta, tenha em mente algumas questões.

a. Alguns princípios gerais

Não existe algo como uma tradução “definitiva”.
Não esqueça que o Cânone em Pali foi registrado em Pali, não em Português. Nenhuma vez durante a sua carreira o Buda falou acerca de “sofrimento” ou “iluminação”, ele falava de coisas como dukkha nibbana. Tenha em mente também que toda tradução primeiro para o inglês e depois para o português foi filtrada e processada por um tradutor – alguém que está profundamente inserido na sua cultura em um momento particular no tempo, e cuja experiência e compreensão inevitavelmente irão colorir a tradução. (Traduções Britânicas dos suttas feitas no final do século 19, início do século 20, freqüentemente nos soam pesadas e sombrias nos dias de hoje; daqui a cem anos, as traduções que desfrutamos hoje, também, sem dúvida, soarão arcaicas). Tradução é, o mesmo que a tentativa de um cartógrafo de representar a Terra redonda sobre uma superfície plana, uma arte imperfeita.
Por essas razões, é melhor que você não se acomode totalmente com uma tradução em particular, quer seja de uma palavra ou de um sutta inteiro. Só porque, por exemplo, um tradutor equipara dukkha com “sofrimento” ou nibbana com “libertação”, não significa que você deve aceitar essas traduções como verdades absolutas, tome-as por base. Conceda espaço suficiente para que o seu entendimento mude e amadureça, e cultive a disposição de considerar traduções alternativas. Talvez, ao longo do tempo, suas próprias preferências irão mudar (você pode, por exemplo, achar “estresse” e “extinção” mais úteis). Lembre-se de que qualquer tradução é somente uma muleta conveniente – porém provisória – que você precisa usar até que você alcance o entendimento direto das idéias que ela descreve.
Se você quer levar realmente a sério o entendimento do que os suttas contêm, você terá de enfrentar o desafio e aprender algo de Pali. Porém existe um método melhor: leia as traduções e coloque os ensinamentos nelas contidos em prática até que você obtenha os resultados prometidos pelo Buda. O domínio do Pali não é, felizmente, um pré-requisito para a Iluminação
Nenhum sutta contém todos ensinamentos.
Para colher os maiores benefícios do Cânone explore muitos suttas diferentes, não selecione apenas alguns. Os ensinamentos acerca da atenção plena por exemplo, embora de grande valor, representam uma pequena porção dos ensinamentos do Buda. Como princípio geral, sempre que você achar que entendeu os ensinamentos do Buda, é um bom sinal de que está a hora de procurar ir um pouco mais fundo.
Não se preocupe se um sutta contém ou não as palavras tal como foram ditas pelo Buda histórico.
Não há maneira de provar isso. Leia os suttas, coloque os ensinamentos em prática da melhor maneira possível e veja o que acontece. Você não tem nada a perder.
Se você gostou de um sutta leia-o de novo.
Às vezes você encontrará um sutta que irá agarrar a sua atenção de alguma maneira a primeira vez que você o ler. Confie nessa sua reação e leia-o outra vez; significa que o sutta tem algo de valioso para lhe ensinar e de que você está maduro para receber esses ensinamentos. De tempos em tempos releia os suttas que você se recorda de ter gostado quando leu alguns meses ou anos atrás. Você irá descobrir neles nuanças que não havia notado antes.
Se você não gostou de um sutta leia-o outra vez.
Às vezes você encontrará um sutta que é simplesmente irritante. Confie nessa sua reação, isso significa que o sutta possui algo de valioso para lhe ensinar, embora talvez você ainda não esteja plenamente preparado para assimilá-lo. Faça uma marcação nesse sutta e coloque-o de lado por enquanto. Retorne ao sutta após algumas semanas, meses ou mesmo anos. Tarde ou cedo você irá se identificar com ele.
Se um sutta é maçante, confuso ou inútil, simplesmente coloque-o de lado.
Dependendo dos seus interesses no momento e da profundidade da sua prática, você pode achar que um determinado sutta simplesmente não faz sentido ou parece totalmente entediante e maçante. Simplesmente coloque-o de lado e tente um outro. Continue tentando até que você encontre um que faça uma conexão direta e pessoal.
Um bom sutta é aquele que o inspira a parar de lê-lo.
A razão para leitura de suttas é para inspirá-lo (a) a desenvolver o 
entendimento correto, viver uma vida correta e meditar corretamente. Então, se enquanto você estiver lendo, você sentir um desejo de parar de ler e ir sentar-se em um canto calmo, com os olhos fechados, e dar atenção à respiração, faça-o! O sutta terá dessa forma realizado o seu propósito. O sutta lá estará quando você retornar mais tarde.
Leia o sutta em voz alta do começo ao fim.
Isto auxilia de várias formas: força-o (a) a ler cada palavra do sutta, proporciona a oportunidade de praticar a linguagem correta, e proporciona aos seus ouvidos a experiência de ouvir o Dhamma.
Ouça os ensinamentos em diferentes níveis.
Muitos suttas oferecem ensinamentos em muitos níveis ao mesmo tempo, e é bom desenvolver a sensibilidade para isso. Por exemplo, quando o Buda explica para um discípulo as minúcias da linguagem correta, note como ele mesmo (o Buda) usa a linguagem [
MN58]. O Buda pratica o que ensina?
Não ignore as repetições.
Muitos suttas contêm passagens repetidas. Leia o sutta como você leria uma peça musical: quando você canta ou ouve uma música, você não pula o refrão; da mesma forma, quando você lê um sutta, você não deveria pular os refrões. Como na música, os refrões nos suttas freqüentemente têm pequenas e inesperadas porém importantes variações que você não deve perder.
Discuta o sutta com seus amigos.
Compartilhando as suas observações e reações com um amigo, ambos podem aprofundar o entendimento acerca do sutta. Pense em formar um grupo de estudos dos suttas. Se você tem dúvidas persistentes acerca de um sutta, pergunte a um mestre experiente em quem você confia. Se possível consulte monges (as) mais experientes pois o ponto de vista único acerca dos ensinamentos que eles têm poderá auxiliar a esclarecer os gargalos de confusão.

b. Questões para Ter em mente

Quando você lê um sutta tenha em mente que está ouvindo o Buda enquanto ele ensina outra pessoa. Ao contrário de muitos contemporâneos do Buda de outras tradições espirituais que freqüentemente aderiam a uma doutrina fixa quando respondiam a todas as questões [ AN X.93 ], o Buda adequava os princípios básicos dos seus ensinamentos para atender as necessidades particulares do seu público. É portanto importante desenvolver uma sensibilidade para o contexto do sutta, para identificar de que maneira a situação dos ouvintes do Buda tem alguma semelhança com a sua, de forma que você possa medir de que forma aplicar as palavras do Buda à sua própria situação.
Pode ser útil manter algumas questões presentes na sua mente enquanto você lê, tanto para auxiliá-lo (a) a entender o contexto do sutta e para ajudá-lo (a) a captar os diferentes níveis de ensinamentos que freqüentemente estão ocorrendo ao mesmo tempo. Lembre-se, essas questões não têm o propósito de transformá-lo (a) em um acadêmico; elas simplesmente tem o objetivo de facilitar que cada sutta ganhe vida para você.
Qual é a ambientação?
Na maioria dos suttas o parágrafo de abertura (" Assim ouvi...") define o cenário do sutta. Ele acontece em um vilarejo, em um monastério, na floresta? Qual é a estação do ano? Quais eventos estão ocorrendo como pano de fundo? Fixando esses detalhes na sua mente ajudará a lembrar que esse sutta descreve eventos reais que ocorreram a pessoas de verdade - como você e eu - e assim pode auxiliar o sutta a ganhar vida.
Qual é a história?
Um sutta pode oferecer muito pouco em termos de narrativa [
AN VII.6], enquanto que outro pode estar repleto de emoção e drama, em certas ocasiões parecendo mesmo uma breve história [Mv X.2.3-20]. Como o enredo da história por si mesmo reforça os ensinamentos apresentados no sutta?
Quem inicia os ensinamentos?
É o Buda quem toma a iniciativa [
AN X.69], ou outra pessoa se dirige a ele com perguntas [DN 2]? Se for outra pessoa existem premissas ou atitudes por trás das questões que não foram ditas? Alguém se dirige ao Buda com a intenção de derrotá-lo em um debate [ MN 58]? Essas considerações podem lhe dar uma idéia da motivação que está por detrás dos ensinamentos, e a receptividade do ouvinte às palavras do Buda. Com que atitude você toma contato com esses ensinamentos?
Quem está ensinando?
É o Buda [
SN XV.3], um de seus discípulos [SN XXII.85], ou ambos [SN XXII.1] ? Ele ou ela é ordenado (a) [SN XXXV.232] ou um leigo [AN VI.16]? Qual é a profundidade de entendimento de quem está ensinando (isto é, se trata ”apenas" de um anagami [AN VI.16], ou é um arahant [Thig V.4]? Embora possa ser difícil identificar isso apenas com a leitura do sutta, tendo alguma idéia do histórico do mestre e suas credenciais pode ajudar a medir o nível dos ensinamentos que são oferecidos. Comentários e discussões com membros da Sangha ou acadêmicos podem ajudar nesse caso.
A quem se dirigem os ensinamentos?
É para um monge [
SN XXXV.85], monja [SN XXXV.85], ou um discípulo leigo? Se trata de uma grande assembléia [MN 118] ou um indivíduo [AN IV.184]? Ou são seguidores de uma outra religião [MN 57] ? Qual é a profundidade do seu entendimento? Se a audiência está composta de anagamis buscando o estado de arahants, os ensinamentos apresentados poderão ser significativamente mais avançados do que se a audiência nunca teve nenhum contato anterior com os ensinamentos do Buda [AN III.65]. Isto pode ser útil para identificar a adequação dos ensinamentos para o seu caso.
Qual é o método de apresentação?
Se trata de uma palestra formal [
SN LVI.11], uma sessão de perguntas e respostas [Snp V.6], o recontar de uma antiga história [AN III.15], ou simplesmente um verso inspirado [Thig 1.11] ? O mestre está transmitindo suas instruções somente através do conteúdo dos ensinamentos [SN XII.2] ou a maneira como ele está tratando os ouvintes também faz parte da mensagem [MN 57]? A grande variedade de estilos de ensino empregados pelo Buda e pelos seus discípulos mostra que não existe um método fixo de ensinar o Dhamma; o método empregado depende das exigências de uma situação em particular e da maturidade espiritual da audiência.
Qual é o ensinamento básico?
De que forma o ensinamento se encaixa com o sistema triplo progressivo de treinamento do Buda: o foco principal está no desenvolvimento da virtude [
MN 61], concentração [ AN V.28], ou sabedoria [MN 140]? A apresentação é consistente com o que está contido em outros suttas (ex. Snp II.14 e DN 31)? Como esses ensinamentos se encaixam no seu modelo dos ensinamentos do Buda? Se encaixa bem no seu entendimento anterior, ou questiona algumas das suas suposições básicas acerca do Dhamma?
Como é a conclusão?
O ouvinte alcança o Despertar exatamente ali e naquele momento [
SN XXXV.28], ou demora algum tempo após ouvir os ensinamentos [MN 57] ? Alguém se "converte" ao caminho do Buda como aquele evidenciado pela passagem " Magnifico! Magnifico! Como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo ..." [AN IV.111]? Às vezes o simples ato de apagar uma vela é suficiente para resultar no Despertar da pessoa [ Thig V.10 ], às vezes o próprio Buda não pode fazer nada para que alguém supere o seu kamma [DN 2]. As conclusões variadas dos suttas servem para ilustrar o poder e a complexidade extraordinários da lei do kamma.
O que este sutta tem para me oferecer ?
Esta é a pergunta mais importante de todas, porque ela desafia você a levar o sutta a sério. Afinal, é o coração que tem que ser transformado por esses ensinamentos, não o intelecto.
Enquanto você lê um sutta, pergunte a si mesmo: Eu me identifico com alguma das situações ou personagens no sutta? As questões colocadas ou os ensinamentos apresentados são relevantes para mim? Quais lições posso aprender do sutta? Tenho dúvidas sobre se sou realmente capaz de fazer o que o Buda pede no sutta, ou tenho uma confiança ainda maior?
Qualquer que seja a mensagem positiva que você encontrou no sutta, qualquer que seja o sabor gratificante que restou, permita que eles cresçam e se desenvolvam ao longo da sua prática de meditação e na sua vida. Não tente equacionar ou entender um sutta como se fossem palavras cruzadas. Dê tempo ao tempo para que ele amadureça na sua mente. Ao longo do tempo, as idéias, impressões, e atitudes transmitidas pelo sutta irão gradualmente filtrar para a sua consciência, influenciando a maneira como você vê o mundo. Um dia você poderá estar no meio de uma experiência corriqueira quando de repente a lembrança de um sutta que você leu a muito tempo virá à mente, trazendo consigo um poderoso ensinamento do Dhamma que é perfeitamente adequado para aquele momento.
Para facilitar esse processo, pode ser de grande ajuda você criar um espaço para os suttas. Não comprima a leitura dos suttas juntamente com suas outras atividades e não leia demasiado suttas de uma só vez. Faça do estudo dos suttas uma atividade especial, contemplativa. Também deve ser uma atividade agradável. Se você achar que está se tornando árida e irritante, simplesmente ponha de lado e tente novamente após alguns dias, semanas ou meses. Após ler um sutta, não retorne imediatamente às suas atividades; tome algum tempo para fazer um pouco de meditação da respiração, dando uma oportunidade para que o seu coração se acalme de forma que possa absorver mais inteiramente os ensinamentos.
Como a meditação, a leitura de suttas é uma habilidade que pode ser desenvolvida. Conceda-se tempo suficiente para pacientemente desenvolver essa habilidade.
 
 

Tipitaka

 
Tipitaka (त्रिपिटक, do páli ti, "três" e pitaka, "cesto") é uma compilação dos ensinamentos budistas tradicionais, conforme preservados pela escola Theravada. Ele também é conhecido como cânon páli, por ter sido originalmente escrito nesta língua.
Ele é um compêndio doutrinário composto por três grandes grupos ou pitakas:
Sutta Pitaka 
contém os discursos proferidos pelo Buda a seus discípulos, admiradores e adversários.
Vinaya Pitaka 
define as regras para a comunidade monástica, tendo um conjunto de regras para a comunidade masculina (Bhikkhu Sangha) e outro para a comunidade feminina (Bhikkhuni Sangha).
Abhidhamma Pitaka 
uma obra de composição posterior que aprofunda os ensinamentos específicos da tradição Theravada, detalhando o processo de renascimento, processos mentais sutis, a prática meditativa, dentre outros assuntos.
Encontra-se algumas pequenas diferenças entre o Tripitaka de acordo com o país onde foi preservado (p.ex. TailândiaMyanmar), mas de maneira geral não são variações significativas. O cânon páli birmanês, entretanto, inclui o livro As Questões do Rei Milinda, geralmente considerado como uma produção pós-canônica. Eruditos acreditam que esta tenha se originado a partir da escola Sarvastivada.
 
Cânone Páli
  Vinaya Pitaka  
  
                                
Sutta-
vibhanga
KhandhakaPari-
vara
        
  
  Sutta Pitaka  
  
                                            
Digha
Nikaya
Majjhima
Nikaya
Samyutta
Nikaya
           
  
  
                                                        
Anguttara
Nikaya
Khuddaka
Nikaya
              
  
  Abhidhamma Pitaka  
  
                                                
Dhs.Vbh.Dhk.
Pug.
Kvu.YamakaPatthana
            
  
     

 

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